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Foto do escritorAlexiane Antonelo Ascoli

O DIREITO CONSTITUCIONAL DA MULHER BRASILEIRA




Resumo: É consabido que a Carta Constituinte destacou em situações pontuais direitos das mulheres distintos aos dos homens em clara aplicação do princípio da igualdade em seu viés material, no intuito de colocá-los no mesmo patamar perante a lei e a sociedade. É, portanto, dever dos juristas identificar por meio da pesquisa na doutrina e jurisprudência os fundamentos e o contexto em que foram criados, como se desenvolveram e são aplicados.

Palavras-chave: Direito da mulher, igualdade material, liberdade, sororidade.


1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República de 1988 estabeleceu no título dos direitos e das garantias fundamentais, capítulo I, dos direitos e deveres individuais e coletivos, artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e no primeiro inciso deste artigo estabeleceu que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

A disposição do caput do art. 5º destaca notoriamente o princípio da igualdade no seu viés formal, pois propõe tratar a todos de forma igual diante da lei.

Entretanto, muito embora se estabeleça que todos são iguais perante a lei, infere-se da própria Magna Carta que os direitos e deveres das mulheres tem sido destacados de forma distinta frente aos dos homens, sendo indubitavelmente esse o viés material do princípio da igualdade, ao tratar desigualmente os desiguais nas medida das suas desigualdades.

Lenza apud Araújo e Nunes Júnior (2002, p.93) ensina que:


O constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereceriam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições.

Segundo o mencionado autor essas medidas de compensação são denominadas de discriminações positivas ou affirmative actions e alguns exemplos de sua aplicação seriam os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC nº 19, que teve por objeto os artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha, tendo seu julgamento sido calcado no princípio da igualdade no intuito de intimidar a prática de violência doméstica; e no julgamento da ADI 4.424, para declarar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão praticado contra a mulher também dentro do ambiente doméstico, não levando em conta o nível da lesão. (Lenza, 2018, p. 1202).


Diante desse cenário, nos incumbe, como operadores do Direito, elencar todas as situações que o legislador constituinte optou por dar um tratamento diferenciado para o gênero feminino e tratá-lo de forma desigual no intuito de equipará-lo ao gênero masculino, para que não se avente irrazoavelmente a existência de injustiça ou de imparcialidade no tratamento dos direitos das pessoas na Carta Republicana.

2. DOS DIREITOS DAS MULHERES NA CONSTITUIÇÃO

A Constituição Federal, no inciso L, do art. 5º, dispôs que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

Tal dispositivo consagra não apenas um direito da mulher como mãe de estar perto da sua prole, mas também da criança de ser alimentada e receber os devidos cuidados na primeira infância, que é tão importante para o seu futuro desenvolvimento.


Denota-se que tal direito vai muito além do crime praticado pela mulher, tornando quase que inafastável o direito à maternidade, sendo reforçado pelo §2º, do art. 83 da Lei de Execução de Penal, que aduz que os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade, e também pelo art. 9º do Estatuto da Criança e do Adolescente que assevera que o poder público, instituições e empregadores devem propiciar condições favoráveis ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.


No Capítulo dos Direitos Sociais, o legislador constituinte elencou no artigo 7º os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e em seu inciso XX destacou que deve haver a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; no inciso XXX apôs a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; e no inciso XVIII discorreu sobre licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.

Lenza denota que a Lei 13.363/2016 alterou o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e o Código de Processo Civil para definir direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que dá à luz. (2018, p.1342).

É importante lembrar que a entrada da mulher no mercado de trabalho se deu dentro de um determinado contexto histórico, muitas envolvidas pela primeira guerra mundial, quando na maioria dos casos seus maridos foram convocados para ir ao front e tiveram que deixar os seus postos de labor, como é relatado a seguir:


Em toda a Europa, as mulheres também substituíram à frente dos trabalhos os homens que haviam partido, até então exclusivamente para rapazes, convertendo-se em condutoras de bondes, garçonetes em cafés, funcionárias dos correios, distribuidoras de carvão, empregadas de banco, ou professoras nas escolas masculinas. (Uol, 2018)[2]

Veja-se que para que a roda do comércio e da indústria pudesse se manter ativa naquela época foi imperiosa a quebra paradigmas seculares quanto ao trabalho da mulher, o que foi uma transformação social inimaginável para muitos, principalmente para a classe aristocrática.

Porém, muito embora tenha sido reconhecido o direito da mulher ao trabalho em virtude das circunstâncias históricas, não lhe foram concedidos os mesmos direitos que os dos homens e para que isso se concretizasse foi necessária uma verdadeira luta, pois nenhum direito que se encontre positivado em qualquer legislação do mundo nasce sem que seja pleiteado, sem que se inicie uma revolução no pensamento de uma determinada sociedade, sendo resultado da queima de muita energia, de muito suor e às vezes até de sangue, e as mulheres lutaram essa luta para garantir o direito à igualdade e à liberdade, em perfeita sororidade, quando sequer sabiam o significado desta última palavra, conforme se pode observar:


Em 1791, a francesa Olympe de Gouges se opôs ao patriarcado da época e ao modo pelo qual a relação entre homens e mulheres foi retratada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa, e lançou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, na qual proclamou que, além dos homens, as mulheres também seriam titulares de direitos naturais. Em razão do seu ativismo, Olympe foi guilhotinada em 1793, mesmo ano em que o parlamento francês concedeu o direito de voto aos homens e rejeitou a proposta de igualdade política entre os sexos.[3]

Assim, tendo a mulher rompido com a corrente de pensamento de que ela deveria ser tão somente senhora do lar, tendo ela se descoberto como um ser capaz e intelectual apta a gerar riqueza com o seu trabalho tanto quanto um homem, o que lhe deu base de liberdade para ser e agir como melhor lhe fosse conveniente, passou então a exigir manifestamente que seus direitos fossem igualados na lei.


Por esses motivos se fazem presentes na carta constitucional brasileira dispositivos garantidores da proteção do mercado da trabalho da mulher, a proibição da diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, que não desafiam o princípio da igualdade, tendo em vista que apenas elevam os direitos das mulheres ao mesmo patamar que o dos homens.


Seguindo na análise dos dispositivos constitucionais que tutelam os direitos das mulheres, temos o art.39 e 40 que garantem às servidoras públicas licença gestante e o direito de se aposentar com uma diferença de cinco anos no quesito idade e cinco anos no quesito de contribuição. Ainda os incisos I e II do § 7º, do art. 201, que repetem a regra da diferença de cinco anos nos quesitos tempo de contribuição e idade para a aposentadoria das mulheres frente aos homens.


O Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal explicitou seu entendimento pelo tratamento desigual para as mulheres no julgamento do Recurso Extraordinário 658.312, com repercussão geral, publicado no DJE de 03 de setembro de 2009, que tratava da antiga redação do artigo 384 da CLT, o qual previa que a mulher deveria fazer uma pausa obrigatória de quinze de intervalo antes da hora extra, da seguinte forma:


(...) 3. A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma. 4. Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que esse sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças. (...)

O primeiro critério apontado no julgado supra traz a lembrança da exclusão da mulher no mercado do trabalho, onde se inclui o preconceito de contratar uma mulher que pode vir a engravidar e consequentemente se afastar do trabalho para consultas médicas, exames, licença maternidade, amamentação, etc., sofrendo ela certo assédio por exercitar tais direitos, como se estivesse violando alguma regra, quando na verdade é a sociedade que está descumprindo o dever de solidariedade insculpido na Constituinte de 88.


O segundo critério diz existir um componente orgânico que justifica o tratamento diferenciado entre homens e mulheres, pelo fato destas terem menos força física, e o terceiro critério emana uma realidade social, a de que a mulher ainda não se desincumbiu de ser a senhora do lar, o que resulta em um certo acúmulo de funções, muito embora exista uma clara mudança nesse último aspecto nos últimos anos.


Dando andamento na análise do texto constitucional, o art. 143 dispôs que o serviço militar é obrigatório, mas isentou as mulheres em tempos de paz, destacando, no entanto, que ficam sujeitas a outros encargos que a lei vier a lhes atribuir.

O inciso V, do art. 201, por sua vez, veio garantir que a pensão por morte poderá decorrer tanto do segurando homem, quanto da segurada mulher, eliminando quaisquer diferenças entre os gêneros.


Já quanto ao direito de propriedade a Carta Magna fez questão de destacar na hipótese da usucapião urbana, no parágrafo primeiro do art. 183, que o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

Por fim, no art. 226, o legislador assegurou, para efeito da proteção do Estado, o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, com facilitação para a conversão em casamento, dispôs que entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, e que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.


3. CONCLUSÃO

Da leitura da Constituição é possível então concluir que algumas vezes, diante de uma grande diferença entre os direitos do homem e da mulher, como os decorrentes do trabalho, que o legislador amplia os direitos da mulher para que possam ser equiparados e em outras situações ele os alinha, como no artigo 226, quando dita que entidade familiar é uma comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, e que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.


Dessa forma, os direitos assegurados na constituinte não desafiam o princípio da igualdade, tendo em vista que apenas elevam os direitos das mulheres ao mesmo patamar que o dos homens e equilibram os direitos dos gêneros.

Ter os direitos garantidos de forma expressa em uma carta constituinte com certeza é uma vitória para as mulheres, no entanto, não se deve esquecer que tais direitos decorreram de uma luta e precisam ser praticados e defendidos constantemente para que possam ser efetivados pelas próprias mulheres em sororidade e por políticas públicas que valorizem sempre o seu papel na sociedade.

Zelar pelos direitos da mulher é zelar pelo futuro, pois são elas as incumbidas geneticamente da maternidade e da criação de pessoas melhores para a continuidade da vida no mundo.


4. REFERÊNCIAS

A primeira guerra trouxe uma grande mudança para as mulheres. Universa, 2018. Disponível em https://www.uol.com.br/universa/noticias/afp/2018/11/07/a-primeira-guerra-mundial-trouxe-uma-grande-mudanca-para-as-mulheres.htm Acesso em 07 nov. 2019.

Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 22. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

Um pouco da história de conquistas dos direitos das mulheres e do feminismo. Justificando, 2017. Disponível em http://www.justificando.com/2017/09/13/um-pouco-da-historia-de-conquistas-dos-direitos-das-mulheres-e-do-feminismo/ Acesso em 08 nov. 2019

[1] Advogada, pós-graduada em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Endereço eletrônico: antoneloascoliadv@gmail.com [2] A primeira guerra trouxe uma grande mudança para as mulheres. Universa, 2018. Disponível em https://www.uol.com.br/universa/noticias/afp/2018/11/07/a-primeira-guerra-mundial-trouxe-uma-grande-mudanca-para-as-mulheres.htm Acesso em 07 nov. 2019. [3]Um pouco da história de conquistas dos direitos das mulheres e do feminismo. Justificando, 2017. Disponível em http://www.justificando.com/2017/09/13/um-pouco-da-historia-de-conquistas-dos-direitos-das-mulheres-e-do-feminismo/ Acesso em 08 nov. 2019

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